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EMAPI 2017: Ruben Heleno em entrevista ao cE3c

6/10/2017. Entrevista por Marta Daniela Santos.

Terminamos hoje o conjunto de entrevistas que temos vindo a publicar com alguns dos oradores plenários da conferência internacional EMAPI 2017 – Ecology and Management of Alien Plant Invasions, que teve lugar entre 4 e 8 de setembro 2017 em Lisboa, organizada pelo cE3c.

O entrevistado de hoje é Ruben Heleno, investigador do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra. Doutorado em 2009 pela Universidade de Bristol (Reino Unido), desde então que Ruben Heleno tem usado redes ecológicas para estudar importantes questões de conservação, como a perda de biodiversidade e as invasões ecológicas, com um interesse particular por ilhas oceânicas.

Ao longo dos últimos seis anos participou em oito projetos de investigação em Moçambique, São Tomé, Seychelles e Portugal continental, que resultaram em mais de cinquenta publicações com uma rede sólida de colaboradores internacionais nos tópicos de redes ecológicas, biogeografia de ilhas e interações entre animais e plantas.

 

No teu trabalho estudas as invasões biológicas de uma forma integrada, utilizando redes para perceber como a introdução de novas espécies afecta a estrutura dos ecossistemas. Que conclusões é que os teus resultados te têm permitido retirar nos vários locais que tens estudado, em particular em Portugal? 

Há um consenso cada vez mais alargado de que as grandes invasões biológicas – que acontecem quando uma espécie consegue crescer muito e expandir-se muito rapidamente num local onde não existia antes - têm efeitos devastadores em vários níveis da biodiversidade. Se estivermos a falar por exemplo de uma planta invasora - como a acácia em Portugal -, esta planta substitui o que existia anteriormente nesse local e o ecossistema fica mais pobre: com menos plantas, animais, insetos e invertebrados no solo.

Para além destes impactos, eu tenho tentado responder a uma pergunta que de certo modo é mais teórica, mas que pode ter efeitos muito importantes a longo prazo, que é perceber como é que as espécies interagem entre si. Estas espécies que acabam de chegar têm de arranjar um espaço na comunidade: têm de interagir, vão comer e vão ser comidas, vão ter polinizadores e dispersores de sementes... são essas interacções que me interessa descobrir e perceber. No fundo é tentar perceber como é que se encaixam as peças do puzzle. Será que esse papel das plantas que acabaram de chegar na comunidade vai ser igual ou diferente das plantas que já lá estão há milhões de anos?

E esta questão é válida não só para as invasoras - que já sabemos que têm grandes impactos - mas para todas as espécies que acabam de chegar a uma nova comunidade. Como um emigrante que chega a França, por exemplo: será que vai interagir de forma igual ou diferente a um francês? [risos] É essa a pergunta que me tem cativado mais.

Felizmente para mim [risos] o local ideal para perceber estas alterações são as ilhas, pois para além de serem sistemas relativamente simples e mais fáceis de trabalhar são também sistemas nos quais as espécies invasoras são muito mais problemáticas.

E o que é que os resultados têm revelado?

Os resultados são... complexos. Temos chegado à conclusão que no campo, medindo estas coisas “com regra e esquadro”, é muito difícil ver diferenças claras entre o papel das espécies que já lá estavam e as que acabaram de chegar. Voltando ao nosso exemplo: parece que o francês e o emigrante português estão a interagir da mesma forma, a fazer a mesma coisa.

No entanto, em computador conseguimos construir modelos mais complexos, que indicam claramente que essas diferenças existem. O que eu acho que acontece é que - tirando o caso de espécies muito invasoras - é muito difícil medir estas alterações no campo. Por exemplo, se estivermos a estudar uma população de plantas medimos cem plantas num instante; mas se estamos a estudar comunidades, é impossível chegar ao campo e medir cem comunidades - seriam cem sítios distintos. Ou seja, é muito difícil conseguir amostras suficientemente grandes que permitam comprovar estatisticamente estas alterações.

Precisamos de mais, e principalmente de melhores dados, ou então de métricas diferentes que sejam mais sensíveis para aquilo que pretendemos medir. Só há cerca de vinte anos é que a ciência de redes começou a ser aplicada em ecologia - ou seja, é uma abordagem relativamente recente, e a qualquer momento podemos descobrir uma nova métrica que seja mais sensível para mostrar uma determinada alteração na estrutura da comunidade.

Quais são na tua perspectiva as dificuldades e os desafios de trabalhar nesta área - cá em Portugal?

O grande desafio de trabalhar em Portugal nesta área, é o mesmo que para todas as outras áreas - conseguir ter oportunidades de poder competir por financiamento.

Tirando isso, as dificuldades logísticas variam muito entre locais. Por exemplo eu tenho estudado principalmente ilhas: Açores, Galápagos, Seicheles, São Tomé... Claro que, comparativamente, é muitíssimo fácil trabalhar nos Açores onde existem infraestruturas e conhecimento prévio sobre as espécies que lá existem. Trabalhar em Portugal continental também é relativamente fácil pela mesma questão logística e por ser um país muito seguro.

No extremo oposto temos por exemplo São Tomé, onde não só existem cobras venenosas que podem morder e matar quando vamos para o campo, o que apesar de ser muito improvável é um risco, e limita muito o trabalho que podes fazer – como os acessos são muito difíceis, e muitas das plantas não estão sequer descritas para a ciência – ou seja, nunca ninguém lhes deu um nome - o que dificulta o trabalho. É engraçado que trabalhar em São Tomé ajudou-me a valorizar ainda mais o trabalho fantástico dos naturalistas, exploradores e investigadores que durante séculos fizeram o trabalho de base que agora nos permite avançar mais o conhecimento. É bem verdade que, em ciência, caminhamos sempre em ombros de gigantes.

Já nas Galápagos, por exemplo, temos um meio-termo: a flora está bem descrita, mas a logística é muito cara e complexa, pois é preciso alugar barcos e ir a ilhas remotas que não estão habitadas. Mas consegue-se dar a volta.

E comunicar esta área de investigação para o público, também representa um desafio?

É um grande desafio, claro. Quando em casa com a minha família, amigos, conhecidos, falo em invasoras, fico sempre com a sensação que acham que sou um pouco lunático. Não há ainda uma noção clara da importância deste problema. Parece que só agora com a questão dos fogos e do eucalipto é que as pessoas começam a despertar para a importância da floresta; mas mesmo assim, a generalidade das pessoas pensa que as acácias são bonitas por causa da sua flor amarela e não estão sensibilizadas para o facto de serem espécies invasoras.

Mesmo quando se fazem atividades de sensibilização, normalmente as pessoas que vêm são as que já estão pelo menos parcialmente sensibilizadas. Mesmo que sejam leigas nestes assuntos, já têm interesse por eles. Agora, chegar ao cidadão comum que não tem à partida nenhum interesse particular pela natureza.. continua a ser, a meu ver, uma dificuldade grande.

Quais são na tua perspetiva as novas oportunidades e os desafios para o futuro nesta área das invasões biológicas?

Oportunidades há muitas - e se calhar desafios há cada vez menos. Se pensarmos nos desenvolvimentos que aconteceram em dez anos - o poder dos computadores, dos satélites, dos drones - tudo isso são ferramentas muito recentes que vieram potenciar tudo o que pode ser feito.

Em termos de redes ecológicas, a minha principal área de estudo, a estatística tem evoluído muito: não só em termos de tratamento de dados, como na descrição matemática dos objetos complexos. Por isso parece-me quase certo que daqui a dez ou vinte anos anos vamos perceber muito melhor o funcionamento dos ecossistemas, como é que eles são afectados pelas invasões biológicas, e, cada vez mais importante, como é que os podemos recuperar. A parte negativa é que estamos numa corrida contra o tempo: enquanto nós estamos a aprender sobre invasões, elas estão a avançar muito rápido. Não sei como é que vai ser o cenário daqui a dez anos, mas a tendência é para que seja feio.

E aí, para além de falarmos para cientistas e para leigos, temos também de falar para os políticos. Não sei se a mensagem está a passar muito bem, mas eu sinto que há demasiada inércia e inação. Não sei se é principalmente um problema das instituições, das pessoas, ou simplesmente constrangimentos financeiros. Na prática o que acontece é que mesmo que se detete uma espécie invasora que ainda é facilmente controlável, por exemplo dez indivíduos, é muito difícil conseguir que as entidades competentes vão lá e arranquem esses dez indivíduos antes de se tornarem em um milhão. Não conseguirmos resolver problemas fáceis é muito preocupante, tendo em conta a dimensão do problema real. Temos que tentar ser positivos, focarmo-nos no copo meio cheio e apostar na educação ambiental da próxima geração.

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