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Das aves aos insetos: Paulo Borges em entrevista

16/09/2016. Entrevista por Marta Daniela Santos

NOTE: the english version of the interview is available here.

Paulo Borges (Grupo de Biodiversidade dos Açores - cE3c) começou pelo estudo das aves, mas hoje em dia dedica-se ao estudo dos artrópodes - animais como moscas, gafanhotos, aranhas ou escaravelhos, entre outros. São vários os projetos que tem em mãos, desde a investigação teórica à mais aplicada - como as pragas de insetos que afetam os Açores e que têm sérias implicações económicas e sociais.

Recentemente, Paulo Borges coordenou também a vasta equipa que organizou o congresso internacional Island Biology 2016, que no passado mês de julho levou à cidade de Angra do Heroísmo mais de 400 investigadores, de 46 países:

Como surgiu a oportunidade de organizar o Island Biology 2016?

Esta conferência surge como uma candidatura do nosso grupo [o Grupo de Biodiversidade dos Açores - cE3c] à sua organização, durante a primeira edição do Island Biology que decorreu no Hawaii em 2014. Depois de apresentarmos um plano de ação, felizmente fomos seleccionados como a entidade que tinha as capacidades não só científicas mas também financeiras e logísticas para a organização de um evento desta dimensão. Foi um voto de confiança no trabalho que o grupo tem vindo a desenvolver em ilhas, em particular nos Açores.

Tiveram uma enorme adesão, não foi? Mais de 400 participantes?

Sim. Depois do Hawaii, em que houve cerca de 430 participantes, ter conseguido a adesão apenas dois anos depois de 409 participantes foi extraordinário, em particular tendo em consideração que tivemos cerca de 40 países representados.

Correspondeu às vossas expectativas, portanto.

Inicialmente as expectativas eram inferiores: pensávamos que nos Açores teríamos uma menor mobilização, sendo um arquipélago menos conhecido, menos atrativo que o Hawaii. No entanto foi ao contrário, o que foi extraordinário. Tivemos mais de 50 pessoas dos Estados Unidos, por exemplo. Um quarto do total de participantes era português, também mostrando que em Portugal se está a trabalhar em grande nível na investigação em ilhas. Contámos com a presença dos principais grupos de investigação que em Portugal trabalham nestas temáticas, nomeadamente o próprio cE3c, o CIBIO e o MARE, o que mostra que as ilhas continuam a ser um tema de investigação muito atractivo, quer a nível nacional quer internacionalmente.

E o trabalho não terminou com o final da conferência: estão agora a trabalhar na identificação das 50 questões fundamentais em Biologia de Ilhas, não é?

Sim. Essa ideia surge de um grupo de investigadores que tem trabalhado em colaboração nos últimos anos, nomeadamente o Professor Brent Emerson, que está agora a trabalhar nas Canárias [no IPNA-CSIC], o seu pós-doc Jairo Patiño, o Professor Robert Whittaker da Universidade de Oxford [Reino Unido], eu próprio e o Professor José Fernández-Palacios, da Universidade de La Laguna nas Canárias. Esta ideia é inspirada na ideia de William Sutherland das 100 questões fundamentais em Ecologia, e aproveitando que em 2017 se irá celebrar o 50º aniversário do livro The Theory of Island Biogeography de Robert MacArthur e Edward Wilson. Esperamos que a identificação das 50 questões fundamentais em Biologia de Ilhas possa também ser um trampolim para mais investigação em teoria ecológica e evolutiva em ilhas.

Passando agora ao seu trabalho de investigação científica. Uma das suas paixões são os artrópodes - moscas, gafanhotos, aranhas, escaravelhos, etc. Porquê estes animais?

Originalmente o meu interesse era pelas aves. Um dos meus primeiros trabalhos, ainda como jovem, foi um estudo em que compilei o máximo número de nomes científicos de espécies de aves dos Açores e do mundo inteiro. Foi também nessa fase que comecei a fazer observação de aves. A ideia dos artrópodes surge pela constatação de que nos Açores a diversidade de aves é muito baixa. Houve então a sugestão de alguns biólogos e naturalistas, como o Dalberto Teixeira Pombo do Centro de Jovens Naturalistas, a inspirarem-me para começar a olhar para os artrópodes e em específico para os coleópteros dos Açores. Comecei como coleccionador de início, e depois fui aprendendo a taxonomia com o apoio do Professor Artur Serrano na Faculdade de Ciências de Lisboa, com o qual durante a minha licenciatura fui aprendendo a trabalhar com esse grupo de organismos.

O que é que aprendemos até agora com a investigação sobre os artrópodes dos Açores?

Os artrópodes têm servido como modelo muito interessante a vários níveis. Não só ao nível da descoberta de novas espécies - o que prova que ainda há muito a conhecer sobre a biodiversidade dos Açores - mas principalmente como modelo ecológico para testar várias teorias. Um exemplo é o trabalho que desenvolvi no meu doutoramento, em que avaliei a importância da idade geológica das ilhas para o conhecimento da sua diversidade, o que adiciona uma nova variável à teoria de MacArthur e Wilson da importância da área e da distância ao continente para explicar diversidade em ilhas. Este trabalho também serviu de inspiração à teoria do GDM [General Dynamic Model] do Professor Robert Whittaker e colegas, em que se incorpora a idade geológica num novo modelo para explicar a diversidade em ilhas.

Os artrópodes acabam por surgir como um modelo para inspirar estudos de ecologia e de evolução em ilhas. Em adição, também usei os artrópodes para estudar os processos de como é que a diversidade varia nas ilhas em áreas naturais com diferentes características. Nomeadamente, pela primeira vez foi realizado o estudo padronizado em ilhas em diferentes áreas protegidas com metodologias standard, com o projecto BALA [Biodiversidade dos Artrópodes da Laurissilva nos Açores, 1998-2005] e, actualmente, essas metodologias começam a ser aplicadas a outros arquipélagos.

Um dos problemas a que também se tem dedicado nos últimos anos é o das infestações por térmitas nos Açores. Qual é a situação actual?

A investigação com térmitas é o meu trabalho mais aplicado. Não é, digamos, a minha paixão científica, mas a necessidade que existe de trabalhar com um problema grave em termos de impacto económico nos Açores. Sendo um dos poucos entomólogos aqui na região acabei por me envolver nesta questão, que já data de 2004 - há mais de 12 anos. Temos tido um grande trabalho, envolvendo vários investigadores, não só da Universidade dos Açores mas também de universidades norte-americanas e do LNEC [Laboratório Nacional de Engenharia Civil]. Em particular o Professor Rudolf Scheffrahn, o Professor Timothy Myles e a Professora Lina Nunes do LNEC, que comigo têm colaborado para conhecer melhor o problema e propôr novas técnicas adaptadas à situação dos Açores para controlo das pragas de térmitas.

A situação neste momento é variável. No caso das térmitas subterrâneas estamos a conseguir controlar e eventualmente poderemos conseguir erradicá-las a nível local. No caso da térmita de madeira seca, aquela que inicialmente inspirou todo o trabalho, a situação é mais grave. No caso de Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta o seu controlo afigura-se bastante difícil, mas estamos a trabalhar para que pelo menos as pessoas consigam controlar a praga nas suas habitações e consigamos diminuir as populações de térmitas nos próximos anos.

Quantas ilhas já estão afectadas?

Que nós conheçamos, apenas 3 ilhas não estão afectadas: Flores, Corvo e Graciosa. Mas nada nos garante que o problema não exista já nessas ilhas: pode ser tão local e tão pequeno que ainda não foi detectado.

As consequências a nível social e económico são bastante significativas, certo?

Sim, sim. O impacto económico já está ao nível de alguns milhões de euros e existem estimativas que indicam que nos próximos anos pode chegar a vários milhões de euros, tendo em conta a reconstrução de casas e telhados. Algumas habitações já foram completamente reconstruídas em Angra do Heroísmo e Ponta Delgada, com valores entre os 100 e 200 mil euros por habitação. Se multiplicarmos isto por vários milhares de habitações chegamos rapidamente a valores muito grandes para o impacto económico desta praga.

É portanto um problema que se vai estender ao longo de anos ou mesmo décadas.

Sim. A nossa equipa tem estado a monitorizar e a testar diferentes técnicas ao longos dos anos e já temos alunos a trabalhar neste problema. Já tivémos um doutoramento nesta área, estamos a terminar outro doutoramento, e estão a decorrer vários projectos de investigação de grande impacto em termos de aplicação da ciência à realidade.

Pensando nos estudantes que possam estar a ponderar trabalhar nesta área, quais são os maiores desafios que vê para o futuro próximo?

O maior desafio será entrar pela área da química, da comunicação entre as térmitas, de forma a conseguir encontrar formas de controlo por atracção - feromonas sexuais ou algo semelhante. É algo que um dos nossos alunos de doutoramento já está a explorar, mas que necessita de um investimento assinalável nos próximos anos de forma a que consigamos uma armadilha atractiva para os adultos na época do enxameamento. Esta seria a grande inovação e descoberta aplicada que gostaríamos de atingir nos próximos anos, e para a qual tentaremos encontrar um financiamento adequado.

 

Paulo Borges foi orador plenário do congresso internacional Island Biology 2016, organizado pelo Grupo de Biodiversidade dos Açores - cE3c.


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