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Uso de plantas por herbívoros: diz-me onde vives e dir-te-ei o que comes

15/08/2016. Texto por Marta Daniela Santos.

Um estudo agora publicado na prestigiada revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) demonstra que os ácaros, ao contrário do que se acreditava anteriormente, não se especializam evolutivamente em grandes grupos de plantas. Pelo contrário, estes artrópodes não são esquisitos: conseguem alimentar-se de qualquer planta disponível ao seu redor. Este resultado, obtido por uma equipa internacional da qual fazem parte os investigadores cE3c Sara Magalhães e Joaquín Hortal, contradiz a visão clássica de estudar as interações entre espécies e as funções do ecossistema apenas de um ponto de vista local, salientando a necessidade de estudos mais globais em Ecologia.

Um dos maiores desafios em Ecologia e Biologia Evolutiva é o de compreender por que é que certos organismos se alimentam de determinadas espécies e se encontram em determinados habitats, e outros não. Por exemplo, porque é que o Lince Ibérico, cujo habitat natural são os matagais mediterrâneos, come principalmente coelhos? Será porque estava à partida particularmente adaptado a alimentar-se de coelhos, ou será que adaptou a sua alimentação face às presas disponíveis nos matagais mediterrâneos?

O estudo agora publicado utiliza os ácaros como ponto de partida para lançar uma nova luz sobre esta questão. Os investigadores utilizaram uma base de dados abrangente e disponível gratuitamente, com cerca de 1200 espécies de ácaros, desenvolvida por Alain Migeon (Institut National de la Recherche Agronomique, França), para avaliar quais os factores que afetam as plantas das quais eles se alimentam por todo o mundo. Joaquín Calatayud (Museo Nacional de Ciencias Naturales, CSIC, Espanha & Universidade de Alcalá, Espanha), primeiro autor deste estudo, refere: “esta base de dados é única na medida em que reúne informação tanto sobre a localização geográfica como sobre a utilização de plantas hospedeiras para este grupo de organismos”.

Utilizando uma nova abordagem baseada na análise de redes e análise filogenética (o estudo das relações evolutivas entre grupos de organismos) os autores demonstraram que, ao contrário do que se pensava, os ácaros não se especializam evolutivamente em grandes grupos de plantas ao longo de dezenas de milhares e até milhões de anos. Pelo contrário, as plantas utilizadas pelos ácaros dependem em grande parte de estarem disponíveis na sua região geográfica. Ou seja, os ácaros não são esquisitos: alimentam-se de qualquer planta que esteja disponível no seu redor. Joaquín Hortal (Museo Nacional de Ciencias Naturales, CSIC, Espanha & cE3c) refere: “os nossos resultados demonstram que os processos bio-geográficos que determinam que algumas espécies e grupos de animais estão presentes em certas regiões são pelo menos tão importantes quanto os processos ecológicos locais para determinar como é que as espécies contribuem para o funcionamento dos ecossistemas, senão mais. Isto contradiz a visão clássica de estudar as interações entre espécies e o funcionamento dos ecossistemas a partir de processos locais, apelando a uma perspectiva mais global em ecologia”.

As únicas especializações evolutivas significativas que os investigadores determinaram são de grupos de ácaros que se alimentam de plantas evolutivamente distantes, como por exemplo as coníferas e as plantas com flor. Sara Magalhães, investigadora cE3c, esclarece: “os ácaros são bastante eficientes a desenvolver novas estratégias para utilizar diferentes plantas, e os nossos resultados tornam claro que isto permitiu que eles se alimentem de algumas das plantas disponíveis onde vivem. No entanto, é verdade que os ácaros se especializam em determinados tipos de plantas, portanto as grandes transições evolutivas em plantas ainda determinam quais as plantas hospedeiras que os ácaros vão utilizar”.

Estes resultados demonstram que, para compreender os processos ecológicos que ocorrem ao nível local, como as interações entre espécies, é necessário ter em conta os processos bio-geográficos de larga escala que ocorrem à escala global. De certa forma, isto equivale à premissa “Pensa de forma local, age à escala local”.

 

Calatayud, J., Hórreo, J. L., Madrigal-González, J., Migeon, A., Rodríguez, M. Á., Magalhães, S. e Hortal, J. (2016) Geography and major host evolutionary transitions shape the resource use of plant parasites, Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA (PNAS).

 

Na fotografia: Tetranychus urticae. Fotografia da autoria de Jacques Denoyelle.


Tags: EE ESFE

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