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Novo estudo revela que planeamento face às alterações climáticas ainda não é uma prioridade para os municípios portugueses

17/01/2017. Texto por Marta Daniela Santos.

Agir face às alterações climáticas ainda não é uma prioridade para a maior parte dos municípios portugueses. Esta é a conclusão de um estudo agora publicado na revista Land Use Policy (*), resultado de uma parceria entre o grupo CCIAM-cE3c e o ICS – ULisboa, que realizou um inquérito detalhado aos municípios portugueses para avaliar o que está a ser feito e as percepções sobre as alterações climáticas.

Que é necessário agir face às alterações climáticas, já (quase) ninguém questiona. Seja através de acções de mitigação (redução da emissão de gases com efeito de estufa) ou adaptação (resposta aos impactos que já se fazem sentir), é urgente definir e implementar planos de acção a nível nacional e local.

Portugal é muito vulnerável aos impactos das alterações climáticas, que passam do aumento do nível do mar, às ondas de calor, inundações e secas. No entanto, o nosso país tem um baixo nível de capacidade de adaptação: poucas são as medidas já implementadas e não existe ainda uma integração significativa de políticas entre níveis e escalas de governação.

No estudo agora publicado, os investigadores enviaram questionários detalhados aos 308 municípios portugueses para avaliar o que está ser feito e as percepções locais sobre as alterações climáticas. A partir das 109 respostas válidas que receberam, puderam concluir que a acção face às alterações climáticas ainda não tem uma presença significativa na maior parte das agendas de planeamento dos municípios portugueses: 56,9% dos municípios atribui pouca ou nenhuma importância a este problema.

No entanto, as variações a nível geográfico são significativas. Inês Campos, investigadora cE3c e primeira autora do estudo, explica: “Regiões com maior número de habitantes – como Região Centro e Lisboa, Madeira, e Algarve – atribuem maior importância ao problema do que regiões com menos habitantes. Os valores variam ainda considerando se os municípios participam ou não em redes Europeias tais como o Pacto dos Autarcas e o Mayors Adapt: os que participam neste tipo de rede tendem a dar mais importância ao tema”.

Este estudo surgiu no âmbito do projeto europeu BASE – Bottom-up Climate Adaptation Strategies Towards a Sustainable Europe, do qual o grupo CCIAM-cE3c faz parte, e no processo os investigadores fizeram outras descobertas interessantes. Por exemplo, que existem diferentes percepções sobre o risco associado às alterações climáticas entre o Litoral e o Interior. “Enquanto no Litoral há uma maior preocupação com a adaptação, no Interior a maior parte das medidas planeadas ou em fase de implementação são de mitigação. De certo modo, muitos dos impactos que se podem esperar no interior do país tendem a agravar problemas já existentes, tais como o abandono de terras ou a desertificação. A necessidade de lidar com estes problemas é algo que já faz parte da cultura local. No Litoral, por sua vez, há uma nova consciência sobre o perigo da subida do nível do mar, sobretudo em zonas afectadas por problemas de erosão costeira”, esclarece Inês Campos. 

Os resultados do inquérito também demonstraram existir falta de informação e conhecimento sobre os impactos das alterações climáticas e a necessidade de se fazerem mais estudos sobre riscos e vulnerabilidades locais. “E tudo isto parece acontecer apenas quando há um interesse político. O inquérito mostra bem que para os municípios sem interesse político é improvável haver qualquer tipo de ação local”, conclui Inês Campos.

Este inquérito foi realizado antes da implementação de projetos financiados pelo Programa AdaPT (um programa desenvolvido para apoiar financeiramente a atuação em matéria de adaptação às alterações climáticas em Portugal). Gil Penha-Lopes, um dos autores do estudo e também coordenador do ClimAdaPT.Local (um dos projetos que resultou do Programa AdaPT), considera que muito se fez desde aí. Na sua opinião, “este inquérito realizado em 2017 teria uma resposta diferente – não tanto na componente de implementação mas mais no sentido de existir um maior interesse e aceitação política, tornando este tema cada vez mais uma prioridade.”

Este estudo resultou do trabalho de equipa entre investigadores de diferentes áreas – ciências sociais, biologia, engenharia – o que à partida colocou desafios de comunicação e de conciliação de estratégias entre a equipa. “Essa dimensão também levou a uma aprendizagem interessante. Falamos ‘línguas diferentes’ – o que resultou, por exemplo, num grande debate em torno do questionário até se chegar a uma versão final. Tivémos umas 20 versões diferentes até concordar na linguagem. Mas somos muito complementares”, recorda Inês Campos. “Acho que esse processo de aprendizagem entre os investigadores, e as novas dinâmicas de trabalho que surgem da intersecção de várias disciplinas científicas, foi de grande valor para todos nós”. 

 

(*)

Campos, I., Guerra, J., Gomes, J. F., Schmidt, L., Alves, F., Vizinho, A. & Penha-Lopes, G. (2017) Understanding climate change policy and action in Portuguese municipalities: A survey. Land Use Policy 62, 68-78.

DOI :10.1016/j.landusepol.2016.12.015


Tags: CCIAM

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