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Ruído dos barcos no Tejo está a abafar o canto dos xarrocos

14/06/2021. Texto de Manuel Vieira, Daniel Alves e Marta Daniela Santos. Fotografia de Raquel Vasconcelos.

Um novo estudo mostra como a comunicação acústica dos xarrocos, comuns no estuário do Tejo, é afetada pelo ruído dos barcos, diminuindo a capacidade de ouvir destes animais e perturbando o ritmo dos chamamentos produzidos pelos machos.

Muitos peixes produzem sons para comunicar, principalmente durante a época de reprodução. É o caso do xarroco (Halobatrachus didactylus), um peixe comum no estuário do Tejo. É uma espécie muito utilizada para estudar a comunicação acústica nos peixes, e cujas características dos sons que os machos produzem estão relacionadas com a sua capacidade de atrair as fêmeas.

No entanto, atualmente o ruído causado por diversas atividades humanas domina a paisagem acústica dos oceanos e águas costeiras, o que levou os investigadores a estudar o efeito do ruído dos barcos na comunicação acústica dos xarrocos.

Os investigadores começaram por avaliar se o ruído dos barcos tem um efeito prejudicial na capacidade auditiva desta espécie. “Enquanto que em condições normais a distância de perceção de sons por esta espécie varia entre seis e dez metros, na presença de ruído de barcos a distância diminui para entre dois e seis metros: os xarrocos precisam de estar significativamente mais próximos para conseguirem distinguir os sons emitidos entre si”, explica Daniel Alves, primeiro autor do estudo, a desenvolver o seu doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). “Esta redução na distância em que os indivíduos conseguem comunicar tem influência na reprodução da espécie, já que pode dificultar o encontro entre macho e fêmea”, acrescenta o investigador.

Afetando a sua capacidade auditiva, será que este ruído pode afetar o comportamento da espécie? Para o descobrir, os investigadores estudaram os sons emitidos por machos de xarroco que ocupam ninhos nas margens do Tejo, na zona da Base Aérea do Montijo, utilizando altifalantes para simular a presença de barcos. “Verificámos que os indivíduos param de sincronizar as vocalizações com os seus vizinhos e que diminuem o número de vocalizações produzidas na presença do ruído de barco”, refere Daniel Alves.

Para este estudo, os investigadores colocaram ninhos artificiais numa zona costeira, entre marés, onde existe pouco impacto do ruído dos barcos, de modo que cada ninho fosse espontaneamente ocupado por um macho. A atividade em cada ninho foi gravada por um hidrofone deixado junto a cada ninho.

“Estes resultados demonstram que o ruído dos barcos não passa despercebido por estes animais, reduzindo a distância a que os peixes podem comunicar entre si e afetando o seu comportamento", diz Manuel Vieira, co-autor deste estudo, também a desenvolver o seu doutoramento no cE3c, em Ciências ULisboa e no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente – MARE-ISPA. Um dos próximos passos será avaliar se esta ou outras espécies desenvolveram mecanismos para adaptar a sua comunicação na presença de maior ruído.

Este estudo foi coordenado por Paulo Fonseca, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, e Maria Clara Amorim, investigadora da Ciências ULisboa e MARE-ISPA, e promovido pelo projeto FISHNOISE (PTDC/BIA-BMA/29662/2017) financiado pela POCI+ PORLisboa / FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Referência do artigo:

Alves, D., Vieira M., Amorim M.C.P. & Fonseca P.J. (2021). Boat noise interferes with Lusitanian toadfish acoustic communication. J Exp Biol (2021) 224 (11): jeb234849. https://doi.org/10.1242/jeb.234849

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