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Novo estudo lança luz sobre a tuberculose animal em Portugal

30/11/2020. Texto de Mónica Cunha e Marta Daniela Santos.

Um novo estudo caracteriza a diversidade genética da bactéria Mycobacterium bovis, responsável pela tuberculose animal em bovinos – doença que pode transmitir-se ao ser humano. O estudo revela a existência de assimetrias regionais na distribuição geográfica das assinaturas moleculares da bactéria que causa esta doença em Portugal continental, com potencial impacto para medidas futuras de controlo da doença.

A tuberculose animal é uma doença infeciosa crónica que afeta sobretudo bovinos, infetando também várias espécies de vida selvagem em todo o mundo, o que dificulta o seu controlo e erradicação. Causada sobretudo pela bactéria Mycobacterium bovis, é uma doença de progressão lenta – que pode evoluir para um quadro altamente contagioso – e que pode transmitir-se ao ser humano, sendo reportados novos casos todos os anos.

Esta doença tem graves consequências para o bem-estar animal, para a produtividade e para o comércio das espécies de produção, afetando também a biodiversidade, visto que ameaça global ou localmente os serviços do ecossistema. Portugal tem feito um progresso significativo no controlo da tuberculose animal desde o início dos anos 1990: atualmente, a nível nacional, a prevalência da doença é baixa. Mas existem diferenças regionais significativas, o que tem sido associado à transmissão alargada entre espécies selvagens, que se encontram em elevadas densidades nalgumas regiões, perpetuando a circulação do agente patogénico.

A identificação de animais suspeitos entre os bovinos e as espécies de animais selvagens, através dos planos nacionais de controlo e de projetos de investigação, aliada ao diagnóstico laboratorial e à caraterização molecular dos isolados de M. bovis ao longo de 15 anos, permitiu aos investigadores detetar dois hotspots da doença em Portugal continental: com centro em Barrancos, Beja, e no Rosmaninhal, em Castelo Branco. Os hotspots foram associados a períodos temporais distintos e apresentam diferentes valores estimados de risco relativo para a doença consoante a espécie hospedeira. Os resultados são agora publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

“Os nossos resultados reforçam também, de forma quantitativa e com evidências moleculares, o papel que a transmissão do agente da doença entre espécies pecuárias e a fauna selvagem exerce na circulação de Mycobacterium bovis e, consequentemente, no aumento  da prevalência da tuberculose animal em algumas regiões”, refere Mónica Cunha, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais - cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e coordenadora do estudo.

Os investigadores caracterizaram do ponto de vista genético a bactéria M. bovis obtida através de amostras de mais de 900 bovinos, veados e javalis infetados com tuberculose animal, entre 2002 e 2016. As amostras eram provenientes de Beja, Portalegre e Castelo Branco – distritos incluídos na zona epidemiológica de risco para esta doença em Portugal continental.

 “Verificámos que as populações mais ancestrais de Mycobacterium bovis circulam em bovinos e na região de Beja, o que é relevante para compreender a evolução da tuberculose animal em Portugal. Além disso, em populações de Castelo Branco e Portalegre detetamos isolados de M. bovis que exibem um padrão de expansão clonal, indicando que existem algumas estirpes que se encontram melhor adaptadas a este cenário multi-hospedeiro”, acrescenta Ana Reis, primeira autora do estudo, investigadora do cE3c em Ciências ULisboa

Estes resultados abrem precedentes para uma investigação mais profunda, ao evidenciarem o contributo que algumas espécies específicas de hospedeiros exercem nalgumas regiões e indicando que a localização geográfica é mais determinante para a prevalência desta bactéria do que a espécie hospedeira – uma informação que pode ser útil no planeamento de medidas de controle ajustadas a cada cenário epidemiológico. 

Este estudo foi coordenado por investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais - cE3c, e do Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas - BioISI da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em colaboração com investigadores do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária - INIAV, IP.

Referência do artigo:

Reis, A.C., Tenreiro, R., Albuquerque, T. et al. Long-term molecular surveillance provides clues on a cattle origin for Mycobacterium bovis in Portugal. Sci Rep 10, 20856 (2020). https://www.nature.com/articles/s41598-020-77713-8  

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