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Usar o poder da música para mudar mentalidades sobre o consumo de carne de tartarugas marinhas

12/02/2020. Texto traduzido e adaptado por Marta Daniela Santos a partir do comunicado de imprensa emitido pela Universidade de Oxford (Reino Unido), disponível aqui. Na imagem: screenshot do videoclip da música "Mém di Omali", pelo músico João Seria. ©: Ibérica Productions.

Uma equipa multidisciplinar de investigadores desenvolveu uma nova abordagem para envolver a comunidade da ilha de São Tomé, em São Tomé e Príncipe, na mudança de mentalidades sobre o consumo de carne de tartarugas marinhas. Esta nova abordagem, apresentada num estudo agora publicado na revista Conservation Science and Practice, disponível aqui, culminou na produção de uma música e videoclip sobre o tema pelo cantor favorito da ilha, transmitidos online e na rádio e televisão nacionais – identificados como os meios preferidos da população para obter informação.

Durante séculos as tartarugas marinhas foram exploradas para consumo humano em São Tomé e Príncipe, sendo a carne e os ovos das tartarugas utilizados por razões comerciais e de subsistência. Em 2014, o Governo criminalizou no país a posse, comércio e transporte de tartarugas marinhas mortas ou vivas e seus subprodutos, mas carecia de meios para fazer cumprir a lei.

Uma equipa de investigadores do Reino Unido, Portugal e São Tomé e Príncipe desenvolveu um inquérito, com respostas anonimizadas, para compreender quais os hábitos de consumo de tartarugas marinhas na ilha de São Tomé – a maior ilha do arquipélago, onde vive mais de 95% da população do país –, bem como quais as fontes de informação mais confiáveis, fossem elas personalidades ou meios.

Ao verificarem que a população local tem um elevado nível de confiança na televisão e na rádio como fontes de informação, os investigadores convenceram o cantor favorito da ilha, João Seria, a escrever e a produzir a música “Mém di Omali”, que significa Mãe do Mar, como forma de mudar mentalidades sobre o consumo de carne de tartarugas marinhas.

A música usa três idiomas locais – pois muitas pessoas não utilizam o Português, língua oficial do país, em casa –, incluindo frases como “Meu povo, deixa a tartaruga marinha viver” e “Se vires carne de tartaruga marinha à venda, não compres”. O videoclip foi filmado no cenário idílico da ilha, mostrando as praias onde as tartarugas marinhas nidificam.

“Quando comecei o meu doutoramento nestas ilhas, em 2012, a venda e o consumo da carne de tartaruga eram feitos abertamente. Mas a implementação de uma nova lei de proteção destes animais, posta em vigor em 2014, obrigou a pensar em como explicar à população a importância da proteção das tartarugas marinhas e dar início a uma mudança de mentalidade gradual, mas duradoura, de froma a que as pessoas respeitassem a lei não por medo das autoridades mas por respeito ao animal e ao seu valor cultural e ecológico”, explica Joana Hancock, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e uma das autoras do estudo. “Foi assim que surgiu a ideia de realizar estes inquéritos junto da população, para perceber melhor os seus padrões de consumo e a sua motivação. Por outro lado, estes inquéritos permitiram-nos identificar quais os meios de comunicação que os São Tomenses vêem como mais confiável. A música produzida foi uma das ferramentas que desenvolvemos como resultado e que teve mais sucesso”, acrescenta a investigadora.

Diogo Veríssimo, investigador da Universidade de Oxford (Reino Unido) e primeiro autor do estudo, acrescenta: “Usámos a televisão e a colaboração com um músico bastante famoso porque sabíamos, pelos resultados do nosso estudo, que a televisão tinha um elevado nível de confiança e que as normas socias desempenhavam um papel importante na promoção do consumo de carne de tartarugas marinhas. Por isso, precisávamos de um mensageiro cuja autoridade fosse amplamente aceite pela maioria da população”.

Para além das transmissões programadas na rádio e na televisão – os investigadores tomaram partido de uma lei nacional segundo a qual uma música original pode ser transmitida na TV e rádio gratuitamente –, o vídeo foi visto 30 mil vezes no YouTube (a população do país é de 200 mil habitantes).

Esta abordagem “aumenta a probabilidade de intervenções bem-sucedidas de mudança de comportamento e minimizam o risco de resultados prejudiciais não intencionais”, refere Sara Vieira, co-autora do estudo e coordenadora do Programa Tatô, em São Tomé e Príncipe.

Para realizar o inquérito, os investigadores consideraram dois grupos prioritários: os habitantes das comunidades pesqueiras rurais e costeiras, e os moradores da capital, São Tomé. As comunidades pesqueiras foram selecionadas por serem vizinhas de importantes praias de nidificação de tartarugas, onde é sabido ocorrer caça às tartarugas marinhas.

Os residentes das comunidades pesqueiras identificaram a rádio, a televisão, os professores e os líderes religiosos como as suas fontes de informação mais confiáveis. Já para os moradores da capital, as respostas reflectiram níveis de confiança geralmente baixos, com os professores e as ONGs a surgir como as fontes de informação mais confiáveis. Apesar dos desafios, os investigadores encontraram também um amplo apoio à proteção das tartarugas marinhas no país e um grande consenso sobre o facto de as tartarugas marinhas fazerem parte do seu património natural.

Os investigadores esperam que esta nova abordagem para compreender o comportamento e transmitir uma mensagem de forma a que a população a possa receber da melhor forma possível seja adotada em outros esforços de conservação em todo o mundo, onde a complexidade as tradições, necessidades e culturas humanas convivem lado a lado com as necessidades de animais em extinção.

Este estudo resulta da colaboração de investigadores da Universidade de Oxford e da Universidade de Exeter (Reino Unido), do Programa Tatô e do MARAPA – Mar, Ambiente e Pesca Artesanal (São Tomé e Príncipe) e da Universidade de Lisboa, através do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c.

Referência do artigo:

Veríssimo D, Vieira S,Monteiro D, Hancock J, Nuno A. Audienceresearch as a cornerstone of demand managementinterventions for illegal wildlife products:Demarketing sea turtle meat and eggs. Conservation Science and Practice. 2020;e164. https://doi.org/10.1111/csp2.164

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