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Biologia e Geologia: como os líquenes permitem data superfícies rochosas

24/09/2020. Texto de Marta Daniela Santos. Na imagem: Praia dos Coxos, na Ericeira. ©: Maria Alexandra Oliveira.

Sabia que é possível utilizar líquenes para datar superfícies rochosas? Uma equipa de geólogos e biólogos utilizou esta técnica para determinar qual a origem dos blocos de rocha que existem a norte e a sul da Praia dos Coxos, na Ericeira. Os resultados, recentemente publicados, indicam que foram deslocados para este local devido a fortes tempestades recentes, contrariando alguns trabalhos que apontam o tsunami de 1755 como origem de depósitos rochosos semelhantes ao longo da costa Portuguesa.

A norte e a sul da Praia dos Coxos, na Ericeira, existem depósitos de grandes blocos de rocha, chegando a atingir 30 toneladas. Blocos de rocha à beira-mar em litorais rochosos não são novidade; no entanto estes blocos têm uma particularidade: tem a sua origem em plataformas abaixo do local de deposição, tendo sofrido transporte de baixo para cima. Embora se pensasse que, devido à sua grande dimensão e ao facto de estarem localizados até 13 metros acima do nível médio do mar, o transporte dos blocos para este local teria sido gerado pelo tsunami de 1755, algumas das suas características morfológicas pareciam apontar como origem fortes tempestades. Tornava-se assim necessário conseguir datar a exposição dos blocos de rocha para ajudar a distinguir o tipo de evento marinho extremo responsável pelo seu transporte e deposição.

Praia dos Coxos, na Ericeira. ©: Maria Alexandra Oliveira.

Foi assim que surgiu uma colaboração que pode parecer inesperada, entre a Geologia e a Biologia. Maria Alexandra Oliveira, geóloga e atualmente investigadora do cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), propôs, em colaboração com investigadores do Instituto Dom Luiz, determinar a idade destes blocos de rocha tomando como ponto de partida os líquenes que os cobriam. Esta técnica, conhecida como liquenometria e utilizada desde os anos 1970, assenta na relação entre a dimensão dos líquenes e a sua idade. Conhecendo como cresce uma determinada espécie de líquen, é possível determinar quanto tempo decorreu desde que uma determinada superfície rochosa ficou exposta, através da dimensão dos líquenes que nela se encontram. Assim nasceu uma colaboração entre investigadores das duas instituições, que resultou num primeiro trabalho publicado recentemente na revista Progress in Physical Geography.

“Com base na aplicação de liquenometria aos blocos dos depósitos da praia dos Coxos, concluímos que grande parte dos blocos foram depositados recentemente, a maior parte nos últimos 200 anos. Para além disso, observámos uma elevada dispersão de idades, com maior concentração nos últimos 100 anos, o que indica uma elevada frequência de movimento. Estes resultados sugerem que estes blocos rochosos se encontram neste local devido a fortes e recentes tempestades, no último século, e não devido ao tsunami de 1755”, explica Maria Alexandra Oliveira, primeira autora do artigo.

Na imagem: Líquenes da espécie Opegrapha durieui, que colonizava parte dos blocos de rocha próximos da Praia dos Coxos. ©: Maria Alexandra Oliveira.

O estudo foi desenvolvido numa colaboração entre investigadores de Portugal, de Espanha e dos Estados Unidos. Para chegar a estes resultados, foi necessário estabelecer um modelo do crescimento de Opegrapha durieui, a espécie de líquen que colonizava parte destes blocos de rocha próximos da Praia dos Coxos. Para isso, os investigadores foram medir exemplares desta espécie que se encontravam noutros locais do país, líquenes que se encontravam em superfícies rochosas cuja idade já era conhecida. As medições decorreram em 14 locais da costa portuguesa, do Algarve à Nazaré.

“A espécie de líquenes utilizada neste trabalho tem uma ecologia muito específica o que restringe a sua distribuição. A espécie Opegrapha durieui coloniza apenas rochas calcárias sem exposição solar direta (faces verticais viradas a norte) numa estreita faixa costeira até apenas 50-75m da linha de costa. Esta ecologia muito particular garante que as condições ambientais a que os líquenes estão sujeitos são mais constantes. Esta característica, junto com o crescimento lento e circular, torna esta espécie ideal para utilização em liquenometria”, refere Cristina Branquinho, co-autora deste estudo, também investigadora do cE3c em Ciências ULisboa.

Estes resultados contrariam teses anteriores, que atribuíam depósitos como estes ao tsunami de 1755. “Seria interessante aplicar esta mesma técnica a outros locais em Portugal com contextos semelhantes, como a Costa Vicentina e a plataforma do Cabo Raso, em Cascais, onde a origem de depósitos de blocos de rocha foi atribuída ao tsunami de 1755. Além disso, os nossos resultados reforçam a relevância da liquenometria como uma técnica de datação com elevado potencial, em contextos onde não existem outras alternativas viáveis para a datação – como conchas ou matéria orgânica – que permitam quantificar o tempo passado desde deposição”, conclui a investigadora.

Referência do artigo:

Oliveira M.A., Llop E., Andrade C., Branquinho C., Goble R., Queiroz S., Freitas M.C., Pinho P. (2020), Estimating the age and mechanism of Boulder transport related with extreme waves using lichenometry, Progress in Physical Geographyhttps://doi.org/10.1177/0309133320927629

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