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De onde vêm os papagaios-do-mar e porque têm aparecido na nossa costa?


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As investigadoras cE3c Maria Dias e Mónica Silva, especialistas em aves marinhas, debruçaram-se sobre os eventos de mortalidade de papagaios-do-mar que foram recentemente noticiados ao longo da faixa litoral.

As aves marinhas, como os papagaios-do-mar dos quais ouvimos falar recentemente, são óptimos indicadores da saúde dos ecossistemas marinhos. Eventos de mortalidade massiva destas espécies podem servir de alerta para alterações ambientais nos oceanos – tais como o desaparecimento de espécies devido à sobrepesca, derrames acidentais de petróleo e eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes no contexto das alterações climáticas.

Os papagaios-do-mar (Fratercula arctica) são visitantes assíduos das águas portuguesas. Passam por cá todos os anos durante as suas migrações, vindos de terras longínquas no Norte da Europa, onde se reproduzem. No entanto passam facilmente despercebidos pois durante o inverno raramente se aproximam de terra.

Ao contrário das gaivotas, que são mais costeiras, os papagaios-do-mar passam a maior parte da sua vida no oceano aberto, vindo a terra apenas para se reproduzir. Alimentam-se sobretudo de peixe, e são excelentes mergulhadores – têm asas muito curtas, que funcionam quase como barbatanas. Muito embora mergulhem melhor do que voam, os papagaios-do-mar são capazes de viajar milhares de quilómetros para passar o inverno em climas mais amenos. É o caso dos que se reproduzem nas colónias Irlandesas e Britânicas, que gostam particularmente dos mares em redor da Península Ibérica para fugir ao clima frio (ver mapa).

Mas estas viagens nem sempre correm bem...

[O mapa apresenta as principais áreas de reprodução do papagaio-do-mar na Europa (a vermelho), e distribuição marinha da espécie (a azul). Os papagaios-do-mar ocorrem em Portugal durante os meses Outono e Inverno, e são sobretudo oriundos das colónias irlandesas e da costa oeste da Grã-Bretanha. Mapa adaptado de informação da Birdlife e Fayet et al., 2017]

 

Porque têm aparecido tantos na nossa costa?

Quem vai passear à praia no inverno (e, hoje em dia, esses passeios são muito mais frequentes do que eram há 50 anos), sabe que se encontram com alguma frequência aves marinhas mortas na areia, onde chegam no embalo das correntes oceânicas. São sobretudo espécies que nidificam na Europa do Norte e que passam em águas portuguesas na migração, ou nelas decidem passar o inverno. Como o demonstraram estudos realizados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas no passado, essa mortalidade tende a incidir sobre poucas aves, mas de várias espécies e, provavelmente, atinge sobretudo animais doentes, imaturos (e, por isso, pouco experientes a encontrar alimento) ou em fim de vida. Felizmente, é muito menos frequente observar episódios de mortalidade massiva de uma só espécie, que nos fazem imediatamente pensar que alguma coisa não estará bem com o mar.

As causas deste incidente de mortalidade nos papagaios-do-mar não são claras. Apesar de este ano uma nova estirpe de gripe aviária ter dizimado milhares de aves marinhas no Norte da Europa, análises entretanto realizadas pelas autoridades portuguesas indicaram que essa não terá sido a razão da morte de tantos papagaios-do-mar.

Na realidade, estes episódios de mortalidade massiva durante o inverno já aconteceram no passado noutras zonas do mundo, e podem resultar de tempestades prolongadas no mar que dificultam a obtenção de alimento por parte das aves. Muitas das aves que se encontraram já mortas estavam claramente emaciadas e tinham o sistema gastro-intestinal vazio. Isto leva a suspeitar que tenha sido esta a principal causa, tal como sucedeu noutros eventos semelhantes no passado, mas desta vez envolvendo uma quantidade bem maior de aves na nossa costa.

 

O futuro dos papagaios-do-mar

Os papagaios-do-mar são uma espécie considerada “Vulnerável” à extinção na Natureza, segundo a lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Muito abundantes antigamente, as suas populações sofreram decréscimos acentuados nas últimas décadas, devido a ameaças nos seus habitats terrestres e marinhos. No regresso às colónias de nidificação, são por vezes apanhados para consumo humano (são considerados uma iguaria em alguns países), ou predados por ratos outrora inexistentes em algumas das ilhas onde nidificam. No mar, são capturados acidentalmente em redes de pesca, e encontram cada vez menos alimento devido aos efeitos da sobrepesca e do aquecimento global. No entanto, pensa-se que o pior ainda está para vir – os fenómenos climáticos extremos (como grandes tempestades marinhas) vão tender a agravar-se nas próximas décadas, em consequência das alterações climáticas. Alguns cientistas estimam que as populações britânicas decresçam em mais de 90% até 2050.

Espera-se assim que fenómenos como o que assistimos nos últimos tempos venham a ser mais frequentes – mas, se os piores cenários se confirmarem, envolvendo cada vez menos aves, pois haverá cada vez menos papagaios-do-mar no mar a visitarem-nos no inverno...

Mas nem tudo são más notícias – alguns países começaram já a impor limitações à pesca em redor das suas colónias, a erradicar os ratos onde estes eram invasores, e algumas áreas marinhas protegidas já foram criadas, tanto nas áreas de reprodução como de inverno, para ajudar a melhorar a resiliência da espécie às várias ameaças a que estão sujeitas. Esperamos assim poder continuar a vê-los às centenas, não caídos nas praias, mas a voar ao largo da nossa costa.

 

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Texto de Maria Peixe Dias e Mónica Silva.
Fotografia: Paul Donald.


Tags: CSES EG seabirds atlantic puffin global changes

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