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Desafios de conservação: mais de 65% dos francelhos e rolieiros em Castro Verde dependem de ninhos artificiais

1/04/2020 - atualizado a 2/04/2020. Texto de Marta Daniela Santos, João Gameiro e Fabrício Mota. Na imagem: Fêmea de francelho (Falco naumanni), também conhecido como peneireiro-das-torres, a entrar para o seu ninho numa parede de nidificação na Zona de Proteção Especial de Castro Verde. ©: João Gameiro.

Um estudo realizado em Castro Verde sobre duas espécies de aves características da região – o francelho e o rolieiro – revelou que mais de 65% destas aves na região estão atualmente dependentes de ninhos artificiais. Os investigadores frisam o papel fundamental que estes ninhos têm na recuperação das populações destas espécies mas alertam para a necessidade de assegurar a longo prazo a manutenção destas estruturas.

O francelho (Falco naumanni) e o rolieiro (Coracias garrulus) são duas espécies de aves bem conhecidas em Castro Verde. Ambas têm em comum o facto de não construírem os seus ninhos: aproveitam cavidades já existentes que tenham dimensões adequadas e, por isso, estão tipicamente associadas a  edifícios rurais abandonados, nidificando em cavidades que aparecem com a degradação. É também cada vez mais frequente ver estas aves em ninhos artificiais – como  caixas-ninho ou mesmo paredes artificiais de nidificação – tornados possíveis por vários projetos de conservação liderados pela Liga para a Proteção da Natureza - LPN. Estas estruturas têm tido um papel fundamental na recuperação destas populações, que nas últimas décadas sofreram um declínio significativo.

Parede de nidificação construída na Zona de Proteção Especial de Castro Verde pela Liga para a Protecção da Natureza - LPN. Em 2017 esta parede hospedou trinta casais de francelhos (Falco naumanni) e um casal de rolieiros (Coracias garrulus). Para além destas duas espécies, esta estrutura pode também ser ocupada por várias outras, como peneireiro-comum (Falco tinnunculus), mocho-galego (Athene noctua), coruja-das-torres (Tyto alba), gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monédula), Pombo (doméstico) (Columba livea) e estorninho-preto (Sturnus unicolor). ©: João Gameiro.

Mas quão dependentes se encontram estas espécies dos ninhos artificiais? Para responder a esta pergunta, em 2017 os investigadores visitaram todos os edifícios e estruturas na área protegida (Zona de Proteção Especial) de Castro Verde em que pudessem existir ninhos de francelhos e rolieiros. O estudo foi publicado na edição de março da revista científica Biological Conservation.

“Os nossos resultados revelam que mais de 65% das aves destas duas espécies, francelho e rolieiro, estão dependentes dos ninhos artificiais para a sua sobrevivência, o que faz com que a sua manutenção seja fundamental para que as suas populações não voltem a diminuir”, explica João Gameiro, primeiro autor deste estudo, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).

Na área protegida de Castro Verde existem atualmente cerca de 600 casais de francelho e 60 casais de rolieiro, o que corresponde a 80% da totalidade da população portuguesa destas espécies – ambas monitorizadas desde o início dos anos 2000, através de um estudo de longo-termo liderado por Inês Catry, outra das autoras do estudo, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – CIBIO-InBIO. Este estudo utilizou esta longa série de dados de monitorização para perceber como tem evoluído o tamanho das populações ao longo do tempo e mostrar o quão efémeros são os edifícios abandonados tradicionalmente utilizados por estas espécies para os seus ninhos.

Rolieiro (Coracias garrulus) pousado à entrada do ninho, numa ruína abandonada no concelho de Castro Verde. O rolieiro é umas das vinte espécies de aves classificada como ‘Criticamente em Perigo’ em Portugal©: João Gameiro.

“O nosso modelo estima que um edifício abandonado de taipa – uma mistura entre argila e terra tradicionalmente utilizada na região – deixe de ter locais de nidificação disponíveis ao fim de trinta anos após abandono. Como é um material que deixou de ser utilizado, tendo vindo a ser substituído por soluções mais duradouras, como tijolo, que não permitem o aparecimento de cavidades, o número de ninhos naturais irá continuar a diminuir. Isto significa que francelhos e rolieiros vão ficar cada vez mais dependentes de ninhos artificiais”, conta o investigador.

O estudo apresenta então uma componente económica em que estima o custo anual necessário para manter as populações das duas espécies. “Estimamos um valor da ordem dos €4500 por ano, de acordo com o custo e longevidade dos tipos de ninho já disponibilizados. Estes cálculos incluem não só a manutenção e a subsituição de ninhos velhos como a construção de novos para as aves que ainda criam em edifícios rurais e ficarão entretanto desalojadas. A pergunta que naturalmente se coloca a seguir é – quem vai cobrir estes custos?”, explica João Gameiro.

Como forma de explorar um possível modelo sustentável de conservação, os investigadores relacionaram a conservação destas espécies com as receitas geradas nos últimos anos pelo turismo na região. “O turismo de natureza em Castro Verde tem aumentado nas últimas décadas, em resultado dos esforços de conservação na região, que começaram a ter maior expressão no início da década de 2000. O valor que estimámos ser necessário para a manutenção dos ninhos artificiais, cerca de €4500 por ano, representa menos de 1% da receita anual de turismo na região, apenas em alojamento. Apesar de esta não ser a melhor altura para se falar de turismo, os números que nós apresentamos parecem indicar que há um enorme potencial de haver um suporte mútuo entre o turismo e a conservação da Natureza, e o turismo pode muito bem ser uma fonte sustentável de financiamento da conservação se feito de uma maneira responsável e moderada”, conclui João Gameiro.

Este estudo foi realizado em parceria entre investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c (Ciências ULisboa), School of Environmental Sciences (Universidade de East Anglia, Reino Unido), Centro de Estudos do Ambiente e do Mar – CESAM (ULisboa) e o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – CIBIO-InBIO ( Insituto Superior de Agronomia, ULisboa e UPorto).

 

Referência do artigo:

Gameiro, J., Franco, A.M.A., Catry, T., Palmeirim, J. M., & Catry, I. Long-term persistence of conservation-reliant species: Challenges and opportunities. Biological Conservationhttps://doi.org/10.1016/j.biocon.2020.108452

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