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Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias: Entrevista a Ricardo Rocha


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9/11/2017. Entrevista por Marta Daniela Santos.

Créditos da fotografia de destaque: Oriol Massana e Adrià López-Baucells. À esquerda: Ricardo Rocha e Adrià López-Baucells com morcego Lasiurus egregius (foto por Oriol Massana).

Ricardo Rocha, colaborador do cE3c-FCUL e investigador na Universidade de Cambridge (Reino Unido), foi distinguido com o primeiro lugar na primeira edição do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO - Sociedade Portuguesa de Ecologia.

No seu doutoramento, Ricardo Rocha estudou o efeito da fragmentação florestal nas comunidades faunísticas tropicais, usando morcegos como modelo biológico. Nesta entrevista, Ricardo fala sobre os principais resultados que obteve, os desafios científicos para o futuro e o que significa para si receber esta distinção, deixando também alguns conselhos para aqueles que se encontram agora a fazer o doutoramento.

 

Quais foram as questões científicas que te motivaram a fazer o doutoramento?

O meu doutoramento visou tentar perceber como é que comunidades de vertebrados reagem à principal causa de perda de biodiversidade: a perda e fragmentação de habitats naturais. Apesar dos intensos esforços de pesquisa, a grande maioria dos estudos de fragmentação baseiam-se em projetos de curto duração e, consequentemente, ainda possuímos uma pobre compreensão das complexidades relacionadas com questões temporais. Tendo isto em conta, o meu doutoramento teve como objetivo principal investigar como comunidades faunísticas tropicais respondem à fragmentação florestal ao longo dos eixos espaciais e temporais, usando morcegos como como modelo biológico. Para isso, a nossa equipa, tirou proveito do Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), o maior e mais longo estudo experimental sobre fragmentação florestal do mundo e de uma base de dados de morcegos amostrados na floresta contínua, fragmentos e florestas secundárias do PDBFF, entre o final dos anos 90 e 2002. Durante o meu doutoramento eu e os meus colegas voltamos a visitar estas áreas e, através da captura de mais de 7000 morcegos de mais de 50 espécies conseguimos, pela primeira vez, analisar as consequências de longo prazo da fragmentação florestal em morcegos tropicais.

Quais foram os principais resultados que obtiveste? 

Nos dois capítulos da minha tese dedicados à análise dos efeitos da heterogeneidade espacial nas comunidades de morcegos, expandi estudos anteriores através da incorporação conjunta de informação sobre a estrutura da vegetação e de métricas de composição e configuração florestal a diferentes escalas. A profundidade destas análises foi ainda ampliada pela consideração explícita de métricas de biodiversidade em florestas contínuas, fragmentos, orlas florestais e matriz, permitindo investigar a influência de todo o gradiente de perturbação em paisagens fragmentadas e pela consideração da resposta diferencial de machos e fêmeas. Isso permitiu revelar que as respostas dos morcegos à fragmentação são dependentes da escala de análise e do grupo funcional considerado e que, pelo menos para algumas espécies, as respostas são específicas do sexo, revelando uma complexidade dos impactos de fragmentação que ainda não tinha sido considerada.

Os dois outros capítulos da minha tese foram dedicados à dinâmica temporal das respostas à fragmentação tanto a curto como a longo prazo. Para a análise das respostas a curto prazo (entre 2011 e 2014), usei o re-isolamento experimental dos fragmentos do PDBFF como uma experiência antes-depois controle-impacto (before-after control-impact) para investigar o efeito de pequenas clareiras (ca. 100 m) entre fragmentos florestais e floresta secundária nas comunidades de morcegos. Isso permitiu revelar que embora múltiplas espécies respondam a mudanças abruptas no contraste da matriz, a compreensão destas respostas pode ser comprometida na ausência de uma amostragem em floresta contínua (controle experimental) antes e depois da ocorrência da modificação ambiental, devido à existência de uma grande variabilidade inter-anual nas comunidades de morcegos tropicais. Numa perspetiva temporal mais alargada (entre 1996 e 2013), estudei de que forma a regeneração de florestas secundárias afeta vertebrados em paisagens fragmentadas. Este, que considero o capítulo mais importante da minha tese em termos de aplicabilidade para a conservação, permitiu revelar que enquanto morcegos com afinidades generalistas na escolha de habitat não são favorecidos pela regeneração da floresta secundária, espécies especialistas em floresta primaria são beneficiadas. A relevância deste resultado torna-se clara ao considerar que as florestas secundárias são atualmente o coberto florestal com maior extensão nos trópicos. Isso sugere que a proteção das florestas secundárias pode trazer benefícios consideráveis à conservação de vertebrados tropicais em paisagens fragmentadas.

Vais continuar a seguir esta linha de investigação?

Certamente. Agora estou a realizar um pós-doutoramento no projecto Conservation Evidence na Universidade de Cambridge no Reino Unido, mas o trabalho nos trópicos e com morcegos é para continuar. Em paralelo com o trabalho na Amazónia, eu e o meu colega de doutoramento Adrià López-Baucells, estamos a trabalhar com morcegos no Quénia e Madagáscar. Em Madagascar às nossas questões são mais relacionadas com a forma como os morcegos são afetados por paisagens agrícolas ao passo que no Quénia estamos a investigar a ecologia e as respostas a alterações globais de morcegos em zonas semi-desérticas. O objetivo é expandir o nosso trabalho para os paleotrópicos, uma vez que até agora a maioria da investigação tropical com morcegos tem sido realizada na América Central e do Sul.  

O que significa para ti receber esta distinção?

Este prémio é um enorme alento para continuar a trabalhar em conservação da natureza e em ecossistemas tropicais.  A distinção é o coroar de longo um projeto que envolveu mais de dois anos e meio de trabalho de campo na Amazónia Brasileira em condições bastante precárias. Sem o enorme apoio dos meus colegas de campo e orientadores nunca teria sido capaz de realizar um trabalho de tamanha envergadura por isso esta distinção, mais do que um prémio individual, é um reflexo do trabalho de grupo que temos vindo a realizar.

Um doutoramento é uma maratona de vários anos. Que conselhos gostarias de deixar a quem esteja agora a fazer o doutoramento, nesta ou noutras áreas?

Adorei o meu doutoramento. No entanto concluir um doutoramento está longe de ser fácil e infelizmente é demasiado fácil tropeçar e cair no abismo de problemas psicológicos relacionados com o mesmo. Acho que os principais conselhos que posso dar são i) Encontrar um projeto que vá de encontro aos nossos interesses. Isso irá facilitar muito o trabalho, não sei se posso dizer que “correr por gosto não cansa”, mas pelo menos cansa menos do que correr por algo que não nos alegra. ii) Encontrar uma boa equipa de orientadores. Durante meu doutoramento tive 3 excelentes orientadores, dois da Universidade de Lisboa (Christoph Meyer e Jorge Palmeirim) e uma orientadora na Universidade de Helsínquia (Mar Cabeza). Isto permitiu expandir o leque de projetos em que estava/estou envolvido e com isso multiplicar o nº de publicações que consegui durante os anos que realizei doutoramento. É importante que os diferentes orientadores tenham valências complementares e importantes para o sucesso do projeto, que ajudem a projetar a carreira futura do doutorando e, acima de tudo, que vejam os orientandos como colegas/amigos e não como subordinados. É importante falar com outros alunos que já tenham sido orientados por esses orientadores de forma a conhecer as suas experiências e estudar as publicações passadas do grupo para ver o quão generoso o orientador é em termos de co-autorias de artigos e participação em projetos. iii) cultivar uma boa relação com colegas/colaboradores. Dar crédito aos que o merecem e reconhecer que publicações, e em particular publicações de alto impacto, são importantes para o sucesso futuro de quem está a começar uma carreira científica. Acho que é vital criar uma cultura de colaboração equitativa, em que diferentes elementos possam participar num leque alargado de projetos e que tenham liberdade para perseguir as suas próprias ideias. iv) não ter medo se realizar projetos paralelos. Embora seja importante não perder o foco no projeto de doutoramento, acho super importante continuar a trabalhar em outros projetos, isso serve não só de válvula de escape quando o trabalho de doutoramento não está a correr bem, mas permite a aquisição de outros conhecimentos e expansão da rede de colaboradores, que eventualmente pode ser muito útil tanto para o doutoramento, como para fases futuras. v) tentar planear a fase futura com muita antecedência. Se o objetivo é terminar o doutoramento e fazer um pós-doc, então é importante começar a planear o mesmo com antecedência de forma a maximizar a probabilidade de conseguirmos assegurar uma transição o menos problemática possível entre as diferentes fases. vi) saber quando fazer uma pausa e vii) aproveitar. O doutoramento não é fácil, mas ao mesmo tempo é uma fase extremamente gratificante. Há que a saborear.


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