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Investigadores estudam história evolutiva de lagartos endémicos da Austrália revelando como se adaptaram a alterações climáticas do passado


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19/06/2017. Texto de Marta Daniela Santos.

Na fotografia em destaque: Escinco arco-íris castanho rugoso (Carlia johnstonei) com iridiscência arco-íris característica do género Carlia. Foto por Brendan Schembri.

Na segunda imagem: Escinco arco-irís do deserto (Carlia triacantha). Foto por Mark Allen.

As espécies tropicais especialistas – que dependem de climas mais específicos – terão sido mais sensíveis às alterações climáticas que ocorreram no período das glaciações. A conclusão é de um novo estudo (*) que compara a história evolutiva de duas espécies de lagartos endémicos da Austrália, Carlia triacantha e Carlia johnstonei, através de análises genómicas que permitiram investigar a sua diversidade e estrutura genética e as flutuações demográficas que terão ocorrido dos últimos dez mil anos.

É esperado que as espécies endémicas das regiões tropicais sejam vulneráveis a alterações climáticas, em parte porque os seus nichos climáticos são relativamente pequenos. Para além disso, estas espécies terão provavelmente respondido de forma mais forte a alterações climáticas no passado, o que pode ser explorado através do estudo dos processos evolutivos que terão contribuído para a distribuição geográfica actual das espécies.

Será que uma espécie especialista é mais sensível a alterações climáticas do que uma espécie generalista, que ocorra na mesma região? Para testar esta hipótese os investigadores compararam os padrões genéticos de duas espécies de lagartos endémicos da Austrália: o escinco arco-íris castanho rugoso (Carlia johnstonei) e o escinco arco-íris do deserto (Carlia triacantha). C. johnstonei é uma espécie especialista tropical que se encontra sobretudo na zona mais húmida de Kimberley, uma região de savana ainda pouco estudada no noroeste da Austrália. A espécie C. triacanta, por outro lado, é generalista: não só ocorre em Kimberley, como também mais no Norte tropical da Austrália e no deserto no centro do continente.

“Face às alterações climáticas no passado, as populações das espécies com menor tolerância climática terão potencialmente contraído e divergido em refúgios, ficando isoladas entre si, o que permitiu o desenvolvimento de diversidade genética de forma independente em cada uma dessas populações. Mais tarde, quando as condições climáticas voltaram a ser favoráveis, as populações voltaram a expandir-se. Isto é observável através de estudos genéticos, que relacionam os padrões geográficos de uma espécie com a sua diversidade e estrutura genética, e ainda com as flutuações demográficas dessa espécie”, explica Ana Afonso Silva, primeira autora do estudo e investigadora do cE3c e da Universidade Nacional Australiana . “Os nossos resultados demonstram que a espécie especialista, C. johnstonei, apresenta padrões de maior estrutura e diversidade genética, bem como evidências de expansão demográfica durante um período de maior precipitação que se seguiu ao fim das glaciações – na Austrália as glaciações fizeram-se sentir por um período mais seco. O mesmo não se verificou para a espécie generalista, C. triacanta. Estes resultados confirmam a nossa hipótese de que a espécie especialista terá sido mais sensível às alterações climáticas, na mesma região, do que a espécie generalista”.

Este estudo resulta da colaboração entre investigadores do cE3c-FCUL e da Universidade Nacional Australiana, e inclui descobertas imprevistas: “Também acabámos por descobrir novas linhagens genéticas dentro de cada espécie que ainda não tinham sido identificadas, na região da Kimberley, onde as espécies se sobrepõem. Estamos agora a trabalhar para as descrever como espécies novas“, refere Ana Afonso Silva.

Para além de aumentar o nosso conhecimento sobre como espécies próximas terão respondido a alterações climáticas no passado, este estudo contribui também para o conhecimento da biodiversidade Australiana: “Apesar de a Austrália ter a maior biodiversidade de répteis do mundo, o conhecimento sobre a biodiversidade de muitas regiões remotas é ainda insuficiente. Há espécies a serem descobertas todos os anos, especialmente em Kimberley”, conclui Ana Afonso Silva.

(*) Afonso Silva, A. C., Bragg, J. G., Potter, S., Fernandes, C., Coelho, M. M. e Moritz, C. (2017), Tropical specialist versus climate generalist: diversification and demographic history of sister species of Carlia skinks from northwestern Australia. Mol Ecol. Accepted Author Manuscript. doi:10.1111/mec.14185


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