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Vírus ameaça as populações de anfíbios na Serra da Estrela

27/02/2017. Texto por Marta Daniela Santos.

 

NOTE: English version available here.

Na fotografia: Triturus marmoratus (tritão-marmoreado) infectado com ranavirose. Fotografia de Gonçalo M. Rosa.

Uma nova estirpe de vírus está a causar a morte em massa de várias espécies de anfíbios na Serra da Estrela. O alerta é lançado por um estudo publicado esta segunda-feira na revista Scientific Reports (*), liderado pelo colaborador cE3c Gonçalo M. Rosa e no qual participou também o investigador cE3c Rui Rebelo. Este vírus emergente também já foi detetado noutras partes de Espanha e da Europa e representa um novo e urgente desafio à conservação dos anfíbios.

Já não é a primeira vez que os anfíbios da Serra da Estrela causam preocupação. Em 2009 foram encontradas centenas de sapos-parteiro (Alytes obstetricans) mortos numa das lagoas do Parque Natural. A descoberta deu origem a um estudo de monitorização que se mantém até hoje, liderado por Gonçalo M. Rosa - colaborador do cE3c, pós-doc na Universidade de Nevada, Reno e antigo aluno da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - cujas conclusões determinaram tratar-se de uma infecção por quitrídio (Batrachochytrium dendrobatidis), um fungo microscópico que afeta as populações de sapo-parteiro. Tratou-se do primeiro caso de declínio de anfíbios em Portugal associado a uma doença. Em poucos anos, o sapo-parteiro desapareceu de quase 70% dos pontos onde habitava.

Mas no outono de 2011 surgiu um estranho episódio de mortalidade que levantou uma série de novas questões: um evento que afetou não só os sapos-parteiro como todas as outras espécies de anfíbios que habitavam um charco perto da vila de Folgosinho. O episódio contrastou com todos os padrões de mortalidade até então associados à quitridiomicose na Península Ibérica e na Europa, e os testes realizados aos animais mortos confirmaram que não se tratava de infecção por quitrídio. Uma nova estirpe de ranavírus foi então detetada em todas as espécies analisadas.

"Os vírus do género Ranavirus encontram-se um pouco por todo o mundo, sendo capazes de infetar vários grupos de animais, desde peixes a répteis e anfíbios. Mas diferentes estirpes têm diferentes graus de virulência, e aquele que circula na Serra da Estrela pertence a um grupo hiper-virulento chamado CMTV-Ranavirus", explica Gonçalo M. Rosa acrescentando que  "esta nova estirpe tem sido responsável pela morte anual em massa de várias espécies de anfíbios, semelhante ao que foi registado no norte de Espanha".

Enquanto que os efeitos do quitrídio continuam a estar limitados a altitudes elevadas e a uma única espécie, o ranavírus revela ser altamente virulento em múltiplas espécies e estágios de vida, e a diferentes altitudes. Uma das espécies mais afetadas foi o tritão-de-ventre-laranja (Lissotriton boscai): em 2014 apenas meia dúzia de indivíduos foram encontrados num charco, contrastando com os quase 230 observados antes do primeiro surto em 2011.

Embora o estudo tenha decorrido em Portugal, este grupo de ranavírus emergentes foi também já registado noutras partes de Espanha e da Europa, provocando declínios e alterando a composição e a estrutura das populações de anfíbios. Estes resultados vêm alterar o paradigma atual, segundo o qual o quitrídio é apontado como o principal patógeno associado à crise dos anfíbios. "É verdade que o quitrídio tem estado associado a mortalidades e declínios severos na Europa, mas num muito reduzido número de espécies e populações, como o sapo-parteiro nas zonas altas da Serra da Estrela e na Serra de Guadarrama, em Espanha. Esta estirpe de ranavírus tem o potencial de afetar virtualmente todas as espécies nos sistemas em que o detetamos", acrescenta Gonçalo M. Rosa mencionando ainda que  não encontraram evidências significativas de que a pré-existência de quitrídios estivesse associada à emergência de ranavírus.

Trata-se de um desafio grave e urgente para a conservação dos anfíbios. Atualmente é possível tratar em laboratório casos de infeção com quitrídio, mas pouco se sabe ainda sobre este grupo de ranavírus. "Não sabemos como tratar indivíduos com ranavirose nem como mitigar ainda o problema no campo", alerta Gonçalo M. Rosa concluindo que a investigação continua e, pela primeira vez, foram detetados casos de presença do vírus num grupo reduzido de charcos em que não se registou mortalidade até ao momento.

 

(*)

Rosa, G.M., Sabino-Pinto, J., Laurentino, T.G., Martel, A., Pasmans, F., Rebelo, R., Griffiths, R.A., Stohr, A.C., Marschang, R.E., Price, S.J., Garner, T.W.J, Bosch, J. (2017) Impact of asynchronous emergence of two lethal pathogens on amphibian assemblages. Scientific Reports

https://doi.org/10.1038/srep43260

 

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