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Custos e benefícios na reprodução sexual do ácaro-aranha

18/02/2020. Texto de Maria Castanheira, editado por Marta Daniela Santos. Na imagem: No ácaro-aranha, Tetranychus urticae, os machos guardam fêmeas em fase de quiescência. Desta forma, ao serem os primeiros a fecundá-las quando estas alcançam a fase adulta, garantem a paternidade da descendência. ©: Jéssica Teodoro-Paulo.

Um estudo agora publicado no Journal of Animal Ecology, disponível aqui, analisa o padrão de reprodução sexual do ácaro-aranha (Tetranychus urticae), uma conhecida praga agrícola.

Acasalar múltiplas vezes tem custos para as fêmeas do ácaro-aranha (Tetranychus urticae). Nesta espécie, a maioria da descendência de um acasalamento é gerada pelo primeiro macho a acasalar com uma fêmea, mesmo que posteriormente outros machos acasalem também com a mesma. No estudo agora publicado, verificou-se que este padrão não é afetado pelo número de acasalamentos de uma fêmea nem pelo intervalo entre estes.

Os investigadores perceberam que no acasalamento são os machos que se aproximam das fêmeas e não o contrário. Deste modo, quando colocados com fêmeas virgens, os machos investem mais na reprodução, uma vez que toda a descendência resultante desse acasalamento será gerada pelo primeiro macho a acasalar com a fêmea, não obstante a existência de outros acasalamentos posteriores.

Apesar do custo de sobrevivência acrescido que estes machos sofrem, as fêmeas virgens têm um maior valor reprodutivo. Deste modo, seria de esperar que os machos investissem apenas em acasalamentos com fêmeas virgens para evitarem custos desnecessários uma vez que o acasalamento é, à partida, custoso para ambos os sexos.

Contudo, esta relação revelou-se mais complexa do que se esperava. Os segundos machos a acasalar não sofreram custos acrescidos por acasalarem com fêmeas não virgens. Verificou-se que estes machos têm a capacidade de diminuir o fitness dos seus competidores – diminuem o nº total de descendência gerada pelos primeiros machos, potencialmente levando a um benefício para si mesmos.

 Já para as fêmeas, verificou-se que acasalar múltiplas vezes tem custos – sofrem uma redução de fecundidade, ou seja, colocam menos ovos do que as fêmeas que acasalam apenas uma vez. Os investigadores não encontraram benefícios claros de acasalamentos múltiplos para as fêmeas, o que sugere que a poliandria (uma fêmea tem mais do que um parceiro) é mantida nesta espécie porque é benéfico para os machos.

“Acasalar múltiplas vezes não levava nem a mais descendência, nem descendência mais variada”, explica Leonor Rodrigues, primeira autora deste estudo, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Deste modo, os benefícios de acasalamentos múltiplos nesta espécie não eram claros para a equipa, que reunia investigadores também da Universidade de Ghent (Bélgica) e da Universidade de Montpellier (França). “Do ponto de vista evolutivo, para que um comportamento se mantenha os custos têm que ser inferiores aos benefícios, por isso o comportamento dos ácaros parecia paradoxal”, acrescenta Leonor Rodrigues. Os investigadores perceberam então que, apesar de as fêmeas não beneficiarem dos acasalamentos múltiplos, os machos podem acabar por obter benefícios.

“A existência e manutenção de acasalamentos múltiplos na natureza nem sempre é fácil de justificar uma vez que, por vezes, os seus custos são claríssimos, enquanto que os benefícios são pouco evidentes”, explica a investigadora. “Estes resultados podem ajudar a compreender melhor como se processa a evolução ou manutenção da poliandria [acasalamentos com múltiplos machos e de sistemas de acasalamento”.

Leonor Rodrigues explica que, sendo o ácaro-aranha (T. urticae) uma praga agrícola, esta informação é importante – “Qualquer informação sobre a sua biologia, em particular sobre a sua reprodução e sobrevivência pode, em último caso, ajudar a estabelecer métodos de controlo de pragas mais eficazes”, conclui a investigadora.

Referência do artigo:

Rodrigues LR, Figueiredo ART, Van Leeuwen T, Olivieri I, Magalhães S. Costs and benefits of multiple mating in a species with first-male sperm precedence. Journal of Animal Ecology. 2020;00:1–10.  https://doi.org/10.1111/1365-2656.13171

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