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Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias: Entrevista a Alice Nunes


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10/11/2017. Entrevista por Marta Daniela Santos.

Alice Nunes, investigadora no cE3c (FCUL), foi distinguida com o segundo lugar na primeira edição do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO - Sociedade Portuguesa de Ecologia.

Ao longo do seu doutoramento (que concluiu em junho deste ano, integrada no cE3c) Alice Nunes estudou e identificou atributos funcionais das plantas como ferramenta para o restauro de zonas áridas, mostrando que a diversidade funcional responde de forma mais previsível ao clima do que a diversidade de espécies. Nesta entrevista, Alice fala sobre como pretende desenvolver esta linha de investigação no seu pós-doutoramento e sobre o que significa para si receber esta distinção, deixando algumas dicas para quem pretenda avançar para doutoramento.

 

Quais foram as questões científicas que te motivaram a fazer o doutoramento?

As questões científicas abordadas no meu doutoramento surgiram da necessidade crucial de compreender o impacto das alterações climáticas nos ecossistemas de zonas secas do mundo (“drylands”), para os quais se prevê um aumento geral da aridez num futuro próximo. Uma maior aridez poderá agravar a desertificação e a degradação dos solos, i.e. a perda da produtividade biológica e/ou económica, comprometendo o funcionamento destes ecossistemas e os serviços por eles prestados.

Em Portugal, as zonas mais áridas são ocupadas por montados de azinho, onde se tem assistido nas últimas décadas a um aumento da aridez. O desafio foi então tentar perceber o impacto da aridez nestes ecossistemas sob o ponto de vista da sua biodiversidade e funcionamento. Para modelar a resposta dos montados de azinho ao clima, usámos os atributos funcionais de plantas como ferramenta, uma vez que estes determinam a resposta das espécies ao meio ambiente e também a sua influência no funcionamento do ecossistema. Estudámos a comunidade de plantas num gradiente climático no espaço para prever alterações ao longo do tempo. Além de compreender o padrão de resposta funcional das comunidades de plantas ao clima, foi também nosso objectivo aplicar este conhecimento para i) desenvolver um indicador baseado em atributos funcionais de plantas para monitorizar os efeitos do clima nestes ecossistemas, e ii) contribuir para melhorar as estratégias de gestão e restauro usadas para combater a desertificação e degradação do solo em ecossistemas de zonas secas.

Quais os principais resultados que tens obtido?

O nosso trabalho permitiu identificar nove atributos funcionais de plantas que respondem à aridez ao longo do espaço, e tentámos validar também essa resposta ao longo do tempo. O aumento da aridez conduziu a uma menor diversidade funcional para a maioria dos atributos funcionais estudados. As flutuações climáticas inter-anuais afectaram consideravelmente as métricas de estrutura e diversidade funcional ao nível da comunidade de plantas, e a diversidade funcional respondeu de forma similar no espaço e no tempo às limitações climáticas. A diversidade funcional baseada em múltiplos atributos diminuiu de forma não linear com a aridez, respondendo de uma forma mais previsível à aridez do que a diversidade de espécies. Assim, a diversidade funcional de plantas mostrou ser um bom indicador para mapear áreas em risco de desertificação.

Também explorámos o efeito relativo do clima, topografia e características do solo nos atributos funcionais das comunidades de plantas. Descobrimos que os factores topo-edáficos determinam em grande medida a colonização por arbustos, sugerindo que as alterações climáticas não terão um forte impacto neste processo, tido como problemático em várias zonas secas do mundo. Discutimos as estratégias de gestão para lidar com a colonização por arbustos à luz desse resultado. Finalmente, fornecemos uma visão abrangente da prática do restauro ecológico de áreas degradadas em zonas secas do Mediterrâneo, mostrando que os atributos funcionais de plantas deveriam ser mais utilizados, por exemplo, na monitorização do sucesso do restauro, como indicadores úteis da recuperação funcional dos ecossistemas.

Em suma, o nosso trabalho contribuiu para uma melhor previsão dos efeitos das alterações climáticas nas zonas secas do Mediterrâneo e para melhorar as estratégias de gestão e restauro ecológico nestas áreas.

Vais continuar a seguir esta linha de investigação?

Sim, é essa a ideia. A resposta às questões científicas abordadas no doutoramento levantaram outras, às quais pretendemos responder não só com a recolha de novos dados, mas também através da análise de dados que recolhemos enquanto equipa e que não foram tratados no âmbito do meu doutoramento. Um dos objectivos futuros é validar os resultados que obtivémos em Portugal noutros ecossistemas de zonas secas no mundo, testando lá os indicadores ecológicos baseados na diversidade funcional de plantas que desenvolvemos. Pretendemos fazê-lo através da colaboração com outros investigadores, por exemplo, das zonas semi-áridas no Brasil, com o apoio de de projectos de investigação que já estão em curso e de outros que venhamos a propor no futuro.

Gostaria de continuar a trabalhar em ecologia funcional de plantas, em particular centrada nos atributos funcionais de plantas i) como indicadores ecológicos de alterações ambientais, ii) sua relação com o funcionamento e os serviços do ecossistema, iii) como ferramentas em restauro ecológico, particularmente no contexto das zonas secas.

O que significa para ti receber esta distinção?

É muito gratificante ver o nosso trabalho reconhecido entre outros de muito boa qualidade, e um motivo de orgulho pelo facto de ser promovido pela Sociedade Portuguesa de Ecologia. É uma forma de atestar a qualidade do nosso trabalho e é também um incentivo para continuar a trabalhar em investigação em Ecologia.

Um doutoramento é uma maratona de vários anos. Que conselhos gostarias de deixar a quem esteja agora a fazer o doutoramento, nesta ou noutras áreas?

Em primeiro lugar, o envolvimento e gosto pessoal pelo tema que se investiga é um ponto a favor, tendo em conta que o doutoramento é um projecto para vários anos.

Além disso, na minha experiência pessoal, apesar de o doutoramento ser a título individual, é objectivamente o resultado de um trabalho de equipa, pelo que fazê-lo num ambiente onde nos sintamos bem, onde se possam partilhar dúvidas, confessar desalentos, partilhar e discutir “ideias mirabolantes”, é importante.

Por último, tendo em conta que o trabalho de investigação se faz em rede, penso que é importante a disponibilidade para colaborar com outros investigadores da nossa área científica (ou de outras), a nível nacional e internacional, procurando interesses comuns e complementaridades. Neste sentido, creio que todas as fontes de informação e discussão são importantes, não só vindas da área científica ou académica, mas também da sociedade em geral.


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