11/12/2018. Texto de Marta Daniela Santos e Inês Reis Santos. Na imagem: Ácaros das espécies Tetranychus urticae e Tetranychus evansi co-infectando uma folha de tomate.
Um novo artigo de revisão publicado na revista científica Nature Communications, resultado da colaboração entre investigadores do cE3c (FCUL) e da Universidade de Montpellier (França), parte do vasto conhecimento existente sobre facilitação ecológica entre espécies de plantas para aplicar estes conceitos ao estudo de interações parasita-hospedeiro. O estudo demonstra que a integração das abordagens científicas destas duas áreas irá permitir explorar novas linhas de investigação.
A facilitação ecológica é o conceito científico que descreve a interação entre dois organismos, de diferentes espécies, em que pelo menos um dos organismos beneficia dessa interação. Por exemplo: na interação entre plantas com flor e insetos polinizadores, ambos saem a ganhar – as plantas propagam o seu pólen, e os insetos alimentam-se. Ou veja-se o caso de plantas que crescem sobre outras plantas – as chamadas plantas epífitas –, utilizando o seu tronco como suporte para crescer e ascender: as plantas epífitas ganham acesso privilegiado a mais luz solar, enquanto que a planta que lhe dá suporte não é beneficiada nem prejudicada por esta interação.
Não é por acaso que estes dois exemplos vêm do mundo das plantas: existe um vasto corpo de literatura sobre facilitação entre estas espécies. Os estudos sobre facilitação normalmente documentam a sua ocorrência e as consequências ecológicas desta interação para os indivíduos, para a espécie e para o ecossistema, mas as causas e consequências evolutivas são ainda pouco estudadas. E o estudo da facilitação entre simbiontes – organismos que vivem em, ou sobre, outros – tem sido negligenciada. Na verdade, os indivíduos hospedeiros são frequentemente colonizados por múltiplos simbiontes, que podem ter efeitos positivos, negativos ou neutros entre si, independentemente da relação com o seu hospedeiro.
O artigo de revisão agora publicado toma como ponto de partida os conceitos do estudo da facilitação ecológica entre espécies de plantas para os aplicar ao estudo de interações entre parasita e hospedeiro.
“Descobrimos que não só os paralelos entre as duas áreas de investigação são marcantes, como também que o uso de sistemas parasita-hospedeiro, com coinfecções, para testar previsões teóricas decorrentes da literatura de facilitação de plantas pode ser uma grande linha de investigação para o futuro”, explica Flore Zélé, primeira autora do artigo e investigadora de pós-doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL).
De acordo com os investigadores, a colocação das interações simbióticas no contexto da facilitação ecológica permite uma maior compreensão das infeções e coinfecções. Através de paralelismos com exemplos conhecidos e estudados de facilitação entre espécies de plantas, os investigadores delinearam e descreveram os mecanismos de facilitação entre simbiontes e estudaram as condições ecológicas e evolutivas que favorecem a ocorrência e manutenção de facilitação entre organismos simbióticos.
Reciprocamente, os simbiontes também podem ajudar a compreender como a evolução molda a facilitação. “Por exemplo, a investigação sobre facilitação entre organismos de vida livre ignorou a possibilidade de uma ‘corrida às armas’ entre os facilitadores e os facilitados, embora esta possa ser uma importante força impulsionadora da dinâmica evolutiva de uma infeção múltipla, mesmo que ocorra apenas esporadicamente”, explica Flore Zélé.
Ácaros das espécies Tetranychus urticae e Tetranychus evansi co-infectando uma folha de tomate.
Tais interações dinâmicas podem ocorrer entre espécies de ácaros herbívoros, que tornam as plantas mais adequadas para si e para os seus competidores por meio da regulação negativa das defesas das plantas – mas também excluem os seus competidores através da produção de uma teia densa ou de uma regulação descendente altamente localizada.
“Neste artigo de revisão, argumentamos que o tempo típico de geração curta dos simbiontes, e a sua consequente capacidade de co-evolução experimental, os tornam excelentes candidatos para estudar as consequências ecológicas e evolutivas da facilitação em várias escalas”, frisa Flore Zéle. “Estudar a facilitação entre simbiontes representa uma linha de investigação oportuna, dadas as suas potenciais consequências para a persistência e diversificação de espécies, bem como para a saúde do hospedeiro, transmissão de parasitas, epidemiologia e evolução de virulência. A facilitação entre simbiontes pode ser, no futuro, fundamental para a gestão de doenças infeciosas em animais e plantas”, conclui a investigadora.
Este estudo resulta da colaboração entre investigadores do cE3c-FCUL – Flore Zélé e Sara Magalhães – com investigadores da Universidade de Montpellier (França).
Referência do artigo:
Zélé F, Magalhães S, Kéfi S, Duncan AB (2018) Ecology and Evolution of facilitation among symbionts. Nature Communications 9, 4869. https://doi.org/10.1038/s41467-018-06779-w